“Lucretia” pode até ser um nome inventado, mas carrega séculos de ecos sombrios. Ele soa antigo, quase amaldiçoado, porque remete a duas figuras históricas marcadas por dor e poder: Lucrécia, da Roma Antiga, cujo sofrimento desencadeou a queda da monarquia; e os Bórgia, família de venenos, conspirações e intrigas políticas renascentistas.
Quando esse nome aparece na discografia do Megadeth, ele já chega carregado de tragédia. Mas Dave Mustaine foi além.
No álbum Rust in Peace (1990), “Lucretia” não é mulher, nem bruxa, nem amante.
Ela é uma presença.
A “Lucretia” da letra nasce das paranoias que acompanhavam Mustaine em seus anos mais turbulentos — vícios, perseguições, noites insones e uma espiral de instabilidade mental que marcou toda sua jornada.
A música dá voz a essas sombras internas, como se Mustaine precisasse criar um nome para aquilo que o assombrava.
Assim, Lucretia se torna quase um poltergeist pessoal:
uma figura que bate na porta, que sussurra, que ri, que observa.
É uma criação psicológica — e não feminina.
É a materialização do medo que mora dentro.
Musicalmente, “Lucretia” é tão estranha quanto o tema.
O riff é inquieto, torto, quase desconfortável, refletindo exatamente aquilo que a letra descreve: o descompasso da mente quando ela se volta contra si mesma.
Tudo na música parece intencionalmente fora da ordem, como se a própria estrutura estivesse se desfazendo.
Aqui, a banda não cria beleza.
Cria perturbação.
Ao contrário da tradição do rock, onde muitas mulheres são transformadas em musa, paixão ou tentação, “Lucretia” ocupa o lugar oposto.
É como se Mustaine tivesse dado rosto a tudo o que o consumia por dentro.
E, ao batizar esse tormento com um nome carregado de história, transformou a música em um retrato psicológico camuflado.
No fim, a provocação fica no ar:
Lucretia é mesmo um demônio?
Ou é apenas o reflexo de uma mente pedindo socorro — um grito mascarado de metáfora?
Talvez seja isso que torna essa música tão poderosa:
ela lembra que, às vezes, nossos monstros não vêm de fora.
Eles nascem dentro da própria mente… e falam conosco usando os nomes que inventamos para eles.